quarta-feira, 8 de julho de 2015


Imagem: Irmã Eliedilma

Um caldeirão cultural, podemos assim chamar a mistura de ritmos, danças, crenças, costumes, manifestações do povo brasileiro, sejam elas tidas como profanas ou sagradas, de cunho elitista ou popular. Dentre as manifestações de caráter popular com o envolvimento de uma religiosidade marcante, se encontra os festejos juninos. Festividade que toma proporções maiúsculas em territórios nordestinos. Logo, Sergipe não se abstêm dessa tradição, carregando consigo o velho e carinhoso jargão: “Sergipe é o País do Forró”.  Apoiado na importância desses saberes populares, é que podemos presenciar em nossos torrões, reservas da cultura popular, presenciadas em simples manifestações, mas que carregam a formação do povo e através dela é que se pode perceber a mais nítida expressão de amor a sua terra.

Foi nesse cenário arraigado de tradições, que pelos idos de 1947 surgia em terras lagartenses o Colégio das Freiras como é popularmente conhecido, uma instituição erguida e estruturada em pilares que foram consolidados ao longo de sua história: educação de qualidade, propagação de valores e respeito a cultura regional. Deste modo, entendendo que um “povo sem cultura é um povo sem memória e consequentemente sem história”, o Colégio Nossa Senhora da Piedade, busca ano a ano uma interação do seu ensino com as tradições, manifestações e a identidade de nossa gente.



Para corroborar com as tradições juninas, a dança pode ser vista como um elo entre a cultura popular e a religiosidade, nesse aspecto, a quadrilha é uma mistura e agregação de valores. Oriunda dos salões franceses, ganha traços típicos do povo nordestino em seus mais diversos aspectos. Foi envolvido nessa interação que em 2008, o então professor de Ciências do CNSP, Alisson Machado, com apoio incondicional da equipe diretiva, e a pedido dos alunos dos 9º anos, saudosos pelo fim da Pé-de-Moleque (quadrilha tradicional do colégio), ousou em fundar uma simples, porém, fervilhante quadrilha junina, que carregaria no nome os traços de um dos maiores símbolos do Nordeste: Luiz Gonzaga. Para homenageá-lo surgia, a LUA DO SERTÃO.

Quadrilha de 2008, imagens Sérgio Souza.

Além de homenagear o grande astro nordestino, os sentidos que envolviam a Lua do Sertão ganhavam novos personagens e abordagens. Para Alisson Machado, a lua no sertão: “Inspira os romances, os repentes, os cordéis e o amor. É motivo de lendas na época de Quaresma. É provavelmente, junto com o candeeiro as únicas fontes de luz a noite, que mostra os caminhos das estradas e as belas paisagens da contradição do sertão ". Logo, foi com esse objetivo que a quadrilha foi criada, para iluminar os caminhos de jovens sedentos por novas descobertas e encantados com uma tradição que rompe gerações.

Coube a Alisson a prazerosa tarefa de se tornar o marcador da quadrilha, haja vista, seu envolvimento e sua desenvoltura conquistada em eventos anteriores. A Lua do Sertão em seu ano de estreia contabilizou a participação de 20 alunos, “os quais tinham o objetivo de apenas se divertirem”, segundo José Emídio integrante e entusiasta da manutenção de uma tradição que abrilhantava os festejos juninos do colégio. Assim, ao longo dos anos o envolvimento dos discentes foi se propagando de maneira espetacular. No entanto, em 2012 uma névoa de tristeza cobria o colorido e a luz da Lua do Sertão, um dos seus maiores entusiastas, o marcador Alisson Machado havia deixado a instituição, consequentemente a quadrilha ficava sem sua referência. A dúvida pairava no ar, quem assumiria o comando? Quem conseguiria fazer a quadrilha deslumbrar o encanto tão marcante em suas apresentações?

A solução, ou melhor, as respostas para essas dúvidas se encontravam no acalorado cenário do CNSP. Um jovem acostumado com as danças, repiques e batuques nordestinos, que carregava nas artérias o calor pulsante da batida da Zabumba do triângulo e da puxada da sanfona. A partir de então, a Lua do Sertão ganhava um novo marcador, o professor de Geografia Sérgio Souza, que carregava consigo uma vasta e louvável experiência nesta seara, acumulando em seu currículo a façanha de se tornar campeão lagartense pela “Arrochando” do Povoado Olhos D`Água, em uma competição realizada em 2008.


Professor e marcador Sérgio Souza.
Ninguém tinha mais dúvida, a Lua do Sertão teria continuidade, o então professor que de maneira ímpar em sala de aula tornava seus alunos em desbravadores do conhecimento geográfico, agora tornava-se um marcador, pronto para lapidar sua matéria prima transformando-os em “soldados” onde suas vestes seriam armaduras eficazes para manutenção de uma cultura regional. Desde 2012, a frente da quadrilha, Sérgio continua traduzindo seu amor pelas manifestações culturais em um envolvimento cada vez mais expresso em trabalhos magníficos, e mesmo com as atribuições diárias de outros trabalhos que realiza, une a vida de um professor dedicado e preocupado com o aprendizado de seus alunos, o mesmo encontra tempo para fazer seus alunos brilharem pelos cantos e recantos de nossa cidade.

Para Sérgio Souza: “A Lua do Sertão representa uma forma de não deixarmos a cultura morrer. Vivemos uma geração no qual a cultura é cada vez mais esquecida. Poder passar minhas expectativas, minhas esperanças, para esses jovens, que estão ali sem nada em troca além do simples prazer de dançar e se divertir me motiva a sempre continuar, apesar de surgirem contratempos, meu tempo se escasseando, mas à vontade de me doar pelos alunos e propagar a cultura junina fala mais alto”.

Apresentação de 2014, imagem: Irmã Eliedilma

Foi com essa vontade explicita e entrega total por seus alunos que o professor, vestiu a camisa da Lua do Sertão e sob seus olhares encaminhou o grupo a mais um ano de apresentação, com alunos dos 9º e 8º anos. A quadrilha tem tradicionalmente a maior quantidade de alunos do ano final do fundamental, até porque é o ano de despedida, na próxima temporada esses garotos que ao longo de suas vidas criaram um laço familiar com CNSP, caminharão em outros horizontes, por isso, a apresentação da Lua torna-se emocionante. Muitas das vezes os sorrisos contagiantes do início da apresentação se transformam em lágrimas em seu encerramento, sendo que para alguns alunos, a participação torna-se a primeira e última na quadrilha que vem tornando-se tradição, não apenas no colégio, mas, nos festejos juninos lagartenses.

O laço de afetividade dos alunos para com o Colégio é tão grande e a emoção de estar inserido nos festejos é tão fervilhante que alguns ex-alunos voltam para participarem, entre tantos podemos mencionar o Jovem João Victor, que voltou para deixar a sua marca e ser marcado nas festas desse ano. Assim, outros alunos seguem o mesmo exemplo fazendo valer o velho dito popular: “O bom filho a casa torna”.

Imagem: Marliton Nascimento


A temporada 2015 foi oficialmente aberta com a apresentação no Arraial do CNSP, evento realizado todos os anos promovendo um grande encontro de quadrilhas formadas por todas as turmas do colégio, uma festa grandiosa onde a cultura nordestina dá as caras e promove um acalorado encontro de gerações que já passaram pela instituição, avós, pais, tios, irmãos todos reunidos para festejarem um encontro tão esperado ao longo do ano.

Após as apresentações das turmas menores, é chegada a hora da Lua do Sertão, o momento aguardado por todos, a expectativa é perceptível no semblante do público. E assim, como a Lua rompe o céu nordestino iluminando e contagiando o povo sertanejo. A Lua do Sertão invade com tamanhas proporções o ginásio do CNSP. Os sons de disparos, as fortes pisadas e o grito de guerra, ecoam com intensidade de um canto a outro causando tremor e um pulsar diferenciado, até mesmo nos menos apaixonados pelo espetáculo. Em uma apresentação repleta de encantos e magias, a Lua do Sertão ofertou ao público um repertório diversificado, com músicas do cotidiano e do cancioneiro popular, levando muitos a reviverem momentos que embalaram em épocas não muito distantes, inesquecíveis paixões.

Imagem: Irmã Eliedilma

É bem verdade que a quadrilha não esqueceria de sua religiosidade, tão presente na gente lagartense. Assim, o momento de maior comoção é quando a padroeira da Cidade recebe sua homenagem, em meio ao espetáculo surge nas mãos dos integrantes a imagem de Nossa Senhora da Piedade. Momento único onde o cansaço é deixado de lado e a voz ofegante de seus integrantes somada a do público unem-se em um inesquecível momento de fé.

Professor e estilista Robson Santana
A quadrilha possui algumas características que a faz diferenciada, seja nas coreografias bem ensaiadas, seja na beleza e desenvoltura de seus componentes, ou nos traços artísticos de suas vestimentas. Sobre o último quesito é necessário reverenciar o renomado trabalho do professor e estilista Robson Santana, que além de ser integrante da quadrilha também é responsável pela criação das fantasias juninas, seus traços artísticos vocacionais perpassam a linha do impossível, e o colocam entre os notáveis estilistas da cidade.

O corpo docente do colégio marca presença nas apresentações, sempre existem professores que se integram entre os alunos para participarem do evento. Um dos que merecem destaque é o professor de Matemática e Desenho Geométrico Luiz Antônio, carinhosamente chamado por seus alunos de Lula. Já são dois anos participando da quadrilha, sempre com muito dinamismo e dedicação. Lula não esconde o motivo de sua participação: “sou influenciado pelo carinho dos meus alunos, é gratificante poder presenciar de perto a satisfação de cada um, com eles, por eles e para eles, me entrego de corpo e alma a quadrilha”.

Apresentação na Colônia Treze
Esse ano a quadrilha contou com 32 componentes, que souberam ao longo dos preparativos dividir seus tempos entre estudos e ensaios. E assim, promoverem apresentações de alto nível. Além da apresentação já certa no espaço escolar, a quadrilha despontou no cenário lagartense com exibições nos Povoados Olhos D´Água e Colônia Treze, além da oportunidade de se apresentarem no Colégio Dom Mário. Sem sombra de dúvidas foram momentos marcantes para cada aluno, pois romperam os muros escolares tendo um contato direto com os verdadeiros guardiões da cultura popular, as pessoas simples das comunidades interioranas.

A cada ano que passa a Lua do Sertão ganha seu espaço em uma cidade marcada por uma história positiva de tantas outras que tradicionalmente representam nossa região. É notável, a crescente da quadrilha, fruto de um trabalho competente de seu marcador e em especial das estrelas de luz própria que são os alunos do colégio, cada um da sua forma consegue se superar a cada apresentação proporcionando um espetáculo grandioso para todos que os acompanham.

Renato e Danielle Puxadores da Quadrilha.
De maneira simples, mas contundente, a Lua do Sertão vem lançando na história da cultura lagartense suas sementes de uma identidade própria. Os componentes (alunos), estão construindo pouco a pouco uma base sólida em terreno de difícil caminhada. Vivemos em uma sociedade na qual suas manifestações são resquícios de uma cultura que outrora foi concretizada, mas que aos poucos foi perdendo suas caracterizações, é preciso fomentarmos em nossos jovens o resgate de nossas tradições.

Prontamente, os alunos e integrantes da Lua Sertão estão navegando na direção correta, resgatando valores, respeitando as tradições e transmitindo para as próximas gerações a certeza de uma identidade que não poderá ser esquecida e tão pouco deixada de lado. Que o grito que foi ouvido nos arredores de nosso município possa ser perpetuado nos anos vindouros, assim teremos a certeza que a Lua do Sertão continuará desbravando, contagiando e iluminando os nossos torrões.


2 comentários:

Anônimo disse...

Sem comentários...


Sergio Souza

Anônimo disse...

Fantástico!!! Obrigado pelo respeito e atenção.

Robson Santana