quarta-feira, 23 de julho de 2014

JOAQUIM PRATA



Por: Moacir Poconé *

“Saravá, pra quem é de saravá. Bom dia pra quem é de bom dia”. Era assim que Dr. Joaquim Prata adentrava a Secretaria da 1ª. Vara Cível de Lagarto todos os dias. Num espaço entre uma audiência e outra nos dava o prazer de sua presença.  Imediatamente, o ambiente era tomado de uma nova energia, mais alegre, mais radiante. Sentava-se bem em frente à mesa em que trabalho. E a partir daí, ouvíamos seus inesquecíveis causos, com personagens como Zefa das Couves, Zezinho dos Anzóis, dentre outros. Histórias verídicas iam se entrelaçando com outras que beiravam o fantástico, todas elas contadas com maestria por aquele que sabia rir e fazer rir.

Irei me lembrar, certamente, muito mais do Joaquim que discutia acerca de filmes e espetáculos musicais do que meramente do Defensor Público, sempre atento a seus clientes e sério cumpridor de suas obrigações. Da pessoa que comentava sobre os mais diversos assuntos com sua maneira peculiar de ver o mundo. Isso porque a pessoa de Joaquim Prata foi muito maior que a do defensor público. Sua gentileza e forma de tratar as pessoas iam muito além do que a frieza dos autos processuais. E como eram tantos esses autos... Único defensor público da cidade de Lagarto por décadas, era dele a defesa dos que não podiam arcar com os custos de um processo. No seu dizer, era o advogado “de quem não tem onde cair morto”.


Além disso, era um talento das letras. Com sua humildade, pedia-me para verificar seus contos antes de torna-los públicos. Eu lia e relia num misto de prazer e de honra por receber tão valorosa incumbência. Foi assim que conheci Naum Lira, protagonista de seu conto “Os Lobisomens das Cacimbas”. Eis sua aparição, magistral: “Fazia calor quando Naum Lira chegou às Cacimbas. Desceu da fubica de João Ford metido no terno diagonal branco, com o chapéu de panamá quebrado de lado. A gravata borboleta era preta e aprisionada ao colarinho duro da camisa creme. O sapato tinha a estirpe do cromo alemão, cujo bico preto se acasalava a um branco intenso. Resoluto tomou o rumo da pensão de Maroquinha”. O texto nem merecia retificações, mas Joaquim, cuidadoso como ele, insistia que verificasse. E trocávamos ideias sobre as personagens e seus desfechos. Uma verdadeira viagem numa literatura verdadeiramente original e saborosa, assim como deveria ser o suco de pitanga que Naum bebe ao fim do conto.

Essas são algumas das lembranças que terei desse amigo tão querido. Uma pessoa que certamente ainda haveria de escrever muitas outras linhas em seu livro de vida, mas que, lamentavelmente, teve seu enredo abreviado por esse mistério que é a morte. Esse fim, entretanto, será somente físico, pois suas histórias e lembranças permanecerão para sempre na memória de todos aqueles que tiveram a honra de conviver com o inesquecível Joaquim Prata.



Moacir Poconé é Professor, Escritor e Escrivão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

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